quarta-feira, 28 de agosto de 2013

ANTES DA AMNÉSIA



(Final dos anos 60, meados dos anos 70)
Minha casa era modesta, quartos e sala de assoalhos com tacos, e algumas goteiras, cozinha, copa e quintal em cimento esverdeado. Tinha um fogão de lenha e o banheiro era no quintal. Minha mãe (Itália) trabalhava na fábrica de panos dos Peixotos, minha avó (Dolores) costurava na velha máquina Sínger. De vez em quando eu ia à venda da esquina para comprar um carretel de linha Corrente e no açougue do Agripino comprar um pedaço de carne, que vinha embrulhado num papel cinzento e grosso. Meu primo mais novo (Claudinho) dormia no quarto da sala e eu menino sozinho ficava ouvindo as histórias longas e intermináveis de meus tios Helbert e Roberto (Miraí). Os mesmos eram joalheiros e relojoeiros e tinha sua oficina na sala da nossa casa, na Rua Professor Alcântara, 14. Lembro bem do nome: Relojoaria Tic Tac.

Às onze horas minha mãe chegava para o almoço em sua bicicleta Monark, na qual tinha uma tela na roda traseira, para que eu quando assentasse em sua “garupa”, meu pé não penetrasse nos raios da roda em movimento. Às treze horas me levavam para escola. Na merendeira azul, o meu toddy no vidro apropriado e embrulhado num guarda-napo o meu pão doce com manteiga. Na pastinha preta o meu caderno e meus lápis. Lá ia eu, de  calças curtas, camisa branca, short azul, sapatos e meia pretas a caminho do Coronel Vieira.
Ali estava um garoto em busca de um futuro incerto. Eu nem sabia o porquê daquilo tudo.


Eu corria pelas ruas como a ventania e descobri na infância o azedinho doce de uma mexerica, a água de um jambo e a cola de um abiu. Descobrir ainda que nem sempre o bicho de goiaba é goiaba e que a castanha do caju soltava uma nódoa, um óleo que causava na pele cicatrizes em formas de arpões, cupidos e serpentes.

Muitas vezes matei minha sede com a água da mina do João da Cruz, que era um pouco gasificada. Tinha medo de passar perto da cruz do Tobias, lá no morro da Vila Reis e também das imagens nos despachos de umbanda que apareciam na encruzilhada da Fazenda do Pacheco, onde o ribeirão Meia Pataca despejava suas águas escuras nas águas do Rio Pomba, que seguia poluído pela lixívia da fábrica de papel até encontrar o Rio Paraíba. Era ali, debruçados no parapeito da ponte que observava os tiradores de areia em seus barcos quase que afundando.


Os ganchos de minha atiradeira (estilingue) era retirado dos pés de ”esperteiras” (aquela árvore que solta um líquido branco e colento) que existiam no morro da torre onde fiquei conhecendo as pitangas e também os ananás.  As Rolinhas e os Tsis eram capturados por nossos alçapões e arapucas armados na cerca de arame farpado, do quintal da Dona Glorinha e os peixinhos barrigudinhos que colocávamos para brigarem eram capturados no Corguinho Lava-pés, onde entrávamos pelo quintal do seu Batista, que chamávamos de tio.

O cortante da linha de nossas pipas e papagaios era feitos com cola de madeira adquirida na Imperial, uma loja lá rua do comércio. A mesma era dissolvia em banho-maria, aquecido no fogão jacaré, e misturada com o pó de vidro que eram moídos nos trilhos do trem de ferro e coados em pedaços de meias-calças de nossas tias. Aquela gosma era passada cuidadosamente na linha dez ou no cordonê que ficavam amarrados de um poste ao outro exposto ao sol para a secagem rápida.

As sobras dos fios de cobre que pegávamos dos postes da Telefônica eram vendidos no Ferro Velho do Sr. Hervê, que dava fundos para o Rio Pomba onde pescávamos os mandis e lambaris com os anzóis comprados com a venda dos mesmos, na loja do seu Osmar. Ah! Tinha também os canos de chumbo que derretíamos dentro das latas de massa de tomate. Esses eram vendidos para o seu Aquiles, na oficina do Mané Couto, onde roubávamos mangas ubá e os jamelões, que chamávamos de “jambelão”. O dinheiro arrecadado desta venda era investido no Bolo Estrela e na Caçarola vendidos na Padaria Cabral.

Na cerca de arame do campinho do Vasquinho e do Rosário Central, eu fiz funcionar uma de minhas experiências: Um rádio galena. Eu sonhava ser o Professor Pardal, mas depois descobrir que meus inventos eram melhor que os dele.

Enquanto o Cine Edgard e o Cinema do Nelo Machado projetavam os Guliano’s Gema’s e os Anthony’s Steffen’s, nós estávamos na Pracinha do Dr. Lydio, ainda de terra. Ali era o nosso palco, acendia bombinhas (cabeça de nego) debaixo das latas de Banha de dois quilos. As mesmas eram compradas na venda do seu Carlos Carvalho, que ficava localizado perto do Bar Estrela, na Praça Governador Valadares, que vendia um mascote (pão com carne) fora do sério.



Impliquei com o Joly, Pajé, Quirino e também com a Maria do Balaio.  Não dávamos sossego ao Lhe fumo e ao Zé Can Can. Tínha muito medo do Dídio (cachorro do João Mendes) e Jogamos burica, zepe  e pisso-pisso, nas calçadas de terra do Bernardino. Como era difícil conseguir uma “bilosca” dita americana, aquela toda colorida. As carambolas e os lolões eram mais fáceis.



 Os campeonatos de jogos de botões aconteciam na varada de cerâmica vermelha da casa do Dr. Lydio que sempre nos fornecia os atestados médicos para os banhos de piscina na Praça de Esportes. Eu achava que a Praça era do Moacir Barbosa...

 

Tomei Emulsão de Scott, que era comprado na Pharmácia do seu Milton Peixoto, um tradicional medicamento à base de óleo de fígado de bacalhau, notável pelo sabor acentuado e desagradável, mas minha avó dizia que ali tinha vitaminas A e D. Gostava mais do Calcigenol, esse sim tinha um gosto agradável. Não posso esquecer também do Cebion e do Redoxon, esses eram para prevenir as gripes e da Benzetacil aplicada pela D. Arcanja, que doía pra danar.


Brinquei de ataque e defesa com bolas de meia e desci as calçadas dos armazéns do Sachetto e do Sertório com o  meu carrinho de rolimã. Enquanto no Salão de Beleza da Zizi a eletrola não parava de tocar os Detalhes do Roberto Carlos, na Relojoaria Tic Tac, o Destino de Francisco Petrônio, se desfolhava. 


Não tinha compromissos com prestações. Meu compromisso era brincar de salve, carniça, paredão, garrafão, trocar figurinhas e colecionar gibis... Correr entre os quarteirões, acender fogueira, soltar balões e galinhas pretas, tudo isso à tardinha após as aulas e depois do café preto com caramujo que era preparado por minha avó. Ah! Tinha também uma tal brincadeira intitulada de pera, uva e maçã. Mais tarde criaram a salada mista...

Trocamos revistas e gibis na porta do Cine Edgard. Apreciávamos as pernas das moças que passavam com graça na Praça Rui Barbosa num eterno vai e vem. Como eu achava saboroso o picolé de creme holandês da Ki-mel e como era encantando ficar na Praça Santa Rita ouvindo músicas nas noites de domingo e apreciando a fonte luminosa, após a missa vespertina. 


Na Igreja do Rosário tinha bingos e leilões, mas gostava mesmo era do jogo em que um porquinho da índia saía correndo tonto e desnorteado em busca de uma casinha numerada. Torcia para ser a minha, é claro, pois sempre estava em jogo uma bola dente de leite. Era tudo que o meu Kichute queria para aquele fim de semana. Sempre tinha jogo do Sandoval com a Rua do Pomba no campinho atrás do bar Tio Chaplin, que ficava no cruzamento da Francisco Rossi com a Major Vieira. Perto deste campinho, vi pela primeira vez um mágico, Fu manchu com o seu espetáculo num circo montado aos arredores. 

Era um tempo em que o Ranho era Alegre e no Palácio só tinha Danças. A Lança só lançava Perfume e nos salões, todas as Camélias eram Mimosas. Do outro lado, a Maria Fumaça bebia água e o sino da estação anunciava a chegada do trem de passageiros.

Ouvia as histórias do José Joana sobre a mula sem cabeça. Acordava no meio da noite um pouco trêmulo e olhava pela fresta da janela, entre as venezianas para ver uma das mulas que o Zé contava...

Li as histórias em quadrinhos do Tio Patinhas, Pateta, Irmãos Metralhas, entre outras... e descobri que as minhas histórias eram mais bonitas que as deles. Assisti O Homem de seis milhões de dólares, mas o meu herói era mesmo o Jerônimo, aquele do sertão e no Telecatch Montilla, vibrava com o Ted Boy Marino, Leopardo e o Tigre Paraguai. Como eu queria assistir uma briga entre o Ted com o Tigre...

 
Nos desfiles carnavalescos da Praça Rui Barbosa, o Cabedal era o destaque. O mestre-sala e a porta-bandeira, demonstravam com graça, leveza e majestade uma seqüência de movimentos coordenados que deixava evidenciada a sintonia do casal. A Mimi era o orgulho da escola e o Norberto fazia-lhe as honras, lhe dando proteção e reverência, enquanto o Emílio vinha após a comissão de frente, abrindo alas para que a escola de samba se consagrasse ao som de um samba de enredo composto por Expedito Liberado. 


Na rádio as marchas rancho do Aprígio, Saraiva e Paulo Santos, relatava os fatos atuais de Cataguases e do mundo. O Aprígio querendo passar um carnaval na lua, o Saraiva dizia de tal Maria, a Macarrão, aquela que não podia ouvir um som, que queria dançar e o Paulo Santos cantava a Praça do Urubu, fazendo referência a um doutor malvado e as angústias de um adeus à Praça Rui Barbosa. 


O carnaval estava indo para a avenida principal da cidade. O Chico Salgado chegava do Rio de Janeiro com mais um prêmio de fantasia e o Ormeu no seu caminhão colorido, soltava ratos pelas ruas da cidade, enquanto o Adão se barreava em lamas do ribeirão Meia Pataca em meios às fedorentas espumas que boiavam pelas águas do rio formando estranhas figuras.


 
Começa o ano setenta.  Noventa milhões de brasileiros cantavam num só coro as ações em um só coração: Todos juntos vamos pra frente Brasil, salve a seleção.  Os Pelés e Tostões nos faziam gostar de futebol. Era aquela corrente mais que pra frente em um grito de gol. 

Nos campos de futebol de Cataguases, batia palmas para o Plácido, não gostava do Rosene. Torcia pelo Azulão da Rua Major Vieira. Só depois de muito tempo é que fique fã do Rosene, um dos maiores jogador de futebol de nossa região e porque não dizer do Brasil. Joguei no dente de leite do Brasil, Cataguases e Operários, comandados por Eurídes Amâncio, Jorge Cabeleira, Seu Emílio respectivamente e mais tarde o Guari. Fundamos o Guarani Futebol Clube, mas eles não entenderam o meu futebol e eu fui fazer música e mágica.



Oferecia músicas às meninas nos alto falantes instalados nos parques de diversões. Melava as mãos com as maçãs de amor e me encantava com a roda gigante. Tinha um pouco de medo do Trem Fantasma, mas o espantava segurando nas mãos das meninas que comigo se aventurava (uma estratégia). Tive o prazer de ver touradas e assisti uma briga do Testa de Ferro e me divertia cada vez mais com as mágicas do meu tio Beth e com a Telepatia do tio Ilton. Ah! Como eu queria ser um Mágico de verdade.



Vi a banda de o Ivo Azevedo tocar, pilotei os aviões que nos céus passavam... Colecionei figurinhas, joguei bafo-bafo e corri atrás das sacolinha de São Cosme e Damião. Projetei nas paredes as figuras que desenhava no papel manteiga... Ah! Agora sim: eu tinha certeza que meus inventos superavam o do Professor Pardal. Começava então a minha “queda” para fazer cinema.


Respondia as respostas das perguntas formuladas por Nerval Rosa na Rádio Cataguases para ganhar ingressos para as matinês de domingos e acompanhava o Programa Galeno Moraes Show, lá na Sede dos Vicentinos.

Chegou então o meu ardente desejo da puberdade... A sensualidade das curvas de Emmanuelle (Sylvia Kristel), vista nas telas dos cinemas, permaneciam em nossas mentes por dias e mais dias...

 
Fiz minha admissão, um curso básico que tínhamos que fazer após o diploma escolar do primário para entrar no primeiro ano colegial. Estudei com Ady Resende, Padre Benoá, Maria Isabel, entre outros... Em meados de mil e novecentos e setenta e quatro, fui para a escola do SENAI, aí começava uma outra fase... mas isso é outra história.


domingo, 4 de agosto de 2013

Mágico Mr Emanuel Messias

Apresentação no Festival de Mágicas de Fortaleza

CAMINHOS QUE NOS LEVARAM AO CANYONS DO RIO SÃO FRANCISCO

Da Rota do Sertão sergipano até ao Xingó, lá na divisa com Alagoas. Um passagem pela estrada "tão" cumprida do sertão de Canindé, cantada na música de Luiz Gonzaga, até às águas do Velho Chico cantada na música de Caetano Veloso.