domingo, 3 de abril de 2011

ENTREVISTA COM A MARIA DO CEMITÉRIO - Fev/2011


EM: Seu nome completo?
MC: Maria Aparecida dos Santos, Maria do Cemitério, como gosto de ser chamada.

EM: Desde quando você mora aqui neste cemitério?
MC: Meu pai me trouxe pra cá quando eu tinha um dia de vida e desde os 6 anos de idade que eu trabalho aqui... Eu tomo conta de três cemitérios: Aqui, Douradinho e um perto de Alfenas, o de Roque do Centro e ainda trabalho na Delegacia, de vez em quando. Esse mês passado eu trabalhei lá oito dias.

EM: E esse túmulo aqui (me referindo ao túmulo dela)?
MC: Não quero dar trabalho pra ninguém. Já está pronto. No dia do meu enterro meu filho, quero ser velada aqui e que o pessoal dá uma voltinha comigo pela cidade, ir lá no centro. Quero que o pessoal pule e grite. Não quero choro, porque se chorar, eu vou bater (risos). Não quero lágrimas. Se alguém chorar eu vou levantar e enforcar (risos).

EM: Qual a sua idade D. Maria, pode falar?
MC: Quantos anos você acha? Chuta lá.
EM: Sessenta e pouco?
MC: 72 anos.

EM: Você já enterrou algum anão?
MC: Anão? Aqui não (pausa)... Por que será? Eu não sei se eles somem, se eles desaparecem... (risos)

EM: Eu assisti há uns dez anos atrás a sua entrevista no Fantástico... (fui interrompido por ela.)
MC: Foi Fantástica. Foi tudo verdadeiro. Não aumentei e nem diminuí. É o que eu sou. O que o povo me conhece. O meu trabalho. Foi depois daquele dia que surgiram os outros cemitérios para eu tomar conta.

EM: Quem são as pessoas mais famosas que estão sepultados neste Cemitério da Saudade, aqui em Machado?
MC: Tem o Padre José de Souza Ribeiro, um homem muito querido na cidade e que foi assassinado...
EM: Ele era político?
MC: “pausa”...Tem as irmãs do colégio. Um túmulo só pra elas; O Cici, um homem muito trabalhador que ajudava muito a sociedade machadense; A menininha que morreu com saudades do pai. Ele foi embora para São Paulo, deixando ela e, quando voltou, ela não estava mais. A Isabel era uma gracinha, nasceu em sessenta e sete e faleceu em setenta e quatro. Em 1952 caiu uma chuva de pedras com ventania muito forte aqui em Machado. Uma chuva assustadora, quebrando telha das casas. Izaltina era uma mulher que tinha toda a paralisia das pernas e dos braços, falava muito pouco. Sua mãe pedia esmola nas ruas e não estava em casa na hora do temporal. Izaltina tinha ficado sozinha tomando banho de sol. Bem, não caiu nem uma gotinha de água onde ela estava. No dia seguinte ela morreu. Tinha 52 anos. Hoje é a nossa Santa Izaltina. Quem entende? No túmulo dela, fizeram uma capelinha, perto do Santo Cruzeiro que foi construído em 1942 para as pessoas rezarem, depositarem suas oferendas, mas assim do tipo católico, nunca garrafas de pingas. A gente sempre limpa lá, mas a devoção do povo é tão grande...

EM: Então você começou a trabalhar com 6 anos?
MC: Com 6 anos papai me pegava para ajudar a fazer enterros e eu tinha que vir, se não viesse ele me batia. Passava uma noite de medo, medo mesmo. De repente acabou. Eu cheguei a fazer autópsia. Na época não tinha quem fizesse. Hoje tem, graças a Deus, mas desde pequenininha, com idade de 6, 8 anos que comecei a trabalhar com papai. Ele morreu, minha mãe se foi e eu estou aqui né! (risos).

EM: Morar num cemitério é estranho ou é diferente?
MC: Eu tenho tudo direitinho aqui. A cozinha, o meu quarto, um cantinho para visitas, o banheiro. Tenho minhas coisas que gosto de ter dentro de casa. Sou feliz. Tudo normal.

EM: Você é casada?
MC: Casei em 1952, dois anos depois meu marido morreu. Passou mais três anos e eu casei de novo. O outro também morreu. Será que eu sou uma mulher que mata maridos? (risos). Tive dezoito filhos. Não quero saber de mais ninguém na minha vida. Quero Deus, os amigos, isso eu quero, mas casamento e namoro jamais. To bem sozinha e Deus. O povo me trata muito bem, isso é a relíquia da vida da gente, vale mais que dez mil reais. Gosto muito da vida que levo.

EM: E os seus pais estão sepultados neste cemitério?
MC: Estão. Cezarino de Freitas era o meu pai. Foi o primeiro zelador deste cemitério. Quando ele estava muito mal, muito mal mesmo, morre não morre, passaram para mim e meu marido Olinto Andrade tomar conta daqui. Quando foi em 1992, no dia 12 de outubro, de manhã... Uma história esquisita, ele falou pra mim: Bem, eu vou viajar hoje, porque é 12 de outubro e eu gosto muito da minha mãe. É aniversário dela e ela já está morta. E eu falei então, viaja, vá embora e não volta nunca mais. Ele morreu às seis horas da tarde. Eu achei que ele ia embora, me largar... A minha mãe, Carioca Stockler, nasceu em 05 de fevereiro de 1902 e morreu em 04 de maio de 1975. Ela falou que ia morrer em setenta e cinco, que não passava do último dia daquele ano e realmente morreu mesmo. Agora eu nunca digo quando vou morrer. Vamos que eu digo e acontece. Eu quero ficar (risos), receber os amigos.

EM: Você já viu alguma coisa estranha aqui no cemitério durante todos esses anos?
MC: Coisa estranha tem. De vez em quando você escuta alguns passos, aí eu saio, abro a porta do quarto e falo assim: Descanse em paz, vai com Deus, já sei que vocês estão aí.

EM: Durante o momento em que eu estava filmando o seu quarto, sua casa, vi nas paredes algumas homenagens, inclusive o título de vereadora. Você foi vereadora?
MC: A mulher mais votada em 1999. Fui vereadora, recebi o título de destaque dos dez mais em 1999 e também de celebridade do ano 2000.

EM: São títulos que não são para qualquer um, se tratando de uma pessoa que trabalha num cemitério como coveira, mas se você foi reconhecida é porque merece, concorda?
MC: ... Aqui eu faço de tudo. Ajudo nos enterros, já fiz autópsia...

EM: D. Maria, obrigado por nos receber e gostaria que você falasse alguma coisa que por ventura você quer falar e eu não perguntei.
MC: Eu estou muito alegre. Foi uma surpresa muito bonita. Porque vocês chegaram sem avisar que estavam vindos. Vocês pra mim são mil. A emoção foi tão grande, tão forte que eu tô feliz demais da conta. Parece até que eu recebi dez milhões em prêmio. Parabéns a vocês. Muito obrigado por vocês terem vindo aqui gente, porque não é fácil sair de Cataguases para vir até este Cemitério da Saudade, em Machado. Se vocês quiserem perguntar mais, pode falar, pode fotografar e ficar à vontade. Leve o meu agradecimento, o meu amor e o meu carinho. Sejam felizes... Vir de longe para tirarem fotos com a Maria do Cemitério. Vocês são o máximo. Obrigado, desculpe, estou chorando.

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