terça-feira, 3 de maio de 2011

NAS TRILHAS DO AERO WILLYS


por: Vanderlei Pequeno (29/04/2011)
O texto está completo e vale a pena ler.

Os ainda rapazes do Grupo Aero acabam de chegar de viagem no tempo e sobraçando mais um disco. O novo CD de 14 faixas apresenta em sua capa, criada pelo designer Dounê Spínola, o famigerado Aerowillys deslizando impune por uma estrada de asfalto “a oitenta por hora”. O lançamento oficial do trabalho vai marcar os 30 anos de união desses rapazes, no próximo abril.



Começando a caminhada em 1981, o então Grupo Aerowillys radicalizou, enveredando-se pelos caminhos da emepebê, com foco na música regional. Entusiasmados com as primeiras notas e aparições, estavam lá no ponto zero: Emanuel Messias, Agenor Ladeira, Rafael, Chiquinho, Djê, Osmar e Luiz Paulo. Não havia quermesse, exposição ou festejo popular completo e gostoso sem a presença do Aero. Era uma alternativa boa ao ambiente de lixo musical americano, imposto na alienação dos embalos de sábado à noite.



Os grupo divertido e musical surgiu como resistência cultural à invasão ianque, ocupando o espaço artístico nos dias e noites de nossa urbe. O violão, os rústicos instrumentos de percussão, somados à “sanfona” de Agenor Andrade tomavam-nos de emoção. Havia algo de inédito nesse “Movimento Aero”: a veiculação de canções próprias do grupo, entre um e outro sucesso já consolidados nacionalmente, nas vozes de Alceu Valença, Elba Ramalho, Fagner, Zé Ramalho, Luiz Gonzaga, entre outros. Sim, porque essa prática motivou outros compositores e grupos musicais da década de 1980 a ocupar também o palco com suas criações. É fácil lembrar nomes: José Carlos (Pom Pom), Grupo Lance, Hércules Mota, José Vecchi, Careca, Ronaldo de Melo. Quem não conhece a música dessa gente perdeu o compasso e o tempo da nossa cultura. (sem trocadilho).



A carreira do grupo é longa e substantiva. Não é minha intenção, neste momento, escrever sobre a sua trajetória de sucesso. O que importa agora é tratarmos do segundo CD, que já circula pela cidade, antes mesmo do lançamento oficial, consequência natural da ansiedade em tornar público o trabalho e, ao mesmo tempo, prover o custeio do show especial, que acontece no início de 2011, no Clube do Remo.



Algumas faixas são de composições que nós, os fãs da banda, já conhecíamos, mas não tínhamos ouvido editadas em mídia. A histórica e romântica balada Atlântico Sul, um canto de amor às Ilhas Malvinas que, no início da década de oitenta do século passado, era reivindicada - e com razão – pelos Argentinos, dá a largada musical do disco. Os ingleses mantiveram a posse da ilha usurpada dos hermanos, mas em Cataguases, longe do atlântico Sul, surgiu e continua acesa a chama de protesto, em nossos espíritos e na voz dos rapazes do Aero: “Ela é uma ilha bela, nome não me importa, foi meu grande amor”. O autor da canção, Ronaldo de Melo, merece uma matéria especial e a nossa reverência. Foi, sem dúvida, uma das raridades criativas de nossa cidade.



Ainda na década de 1980, José Vecchi compõe Adeus, Adeus, canção que encerra em si uma contundente denúncia da poluição do Rio Pomba. Um licor negro, despejado de forma deliberada por uma empresa, tomava o seu curso, negando ali a existência de vida aquática. Era a sanha capitalista e arrecadadora, sem limites, transformando o Pomba em Urubu para comer “a carne dos bichos”. Visionário, José Vecchi cantou um absurdo que viria a desaguar (outra vez, sem trocadilho) em um desastre ecológico de repercussão internacional: o derrame da lixívia, decorrente do estouro de uma barragem existente em nossa cidade. A música que começa com uma inteligente e significativa metáfora (Pomba virou urubu), segue ladainha denunciando o extermínio dos peixes (símbolo bíblico de alimento/vida), até o último lamento, passando pela extinção da beleza do rio de nossas vidas - o mesmo que povoou o imaginário de nossos poetas Ronaldo Werneck, Chico Cabral, Ronaldo Cagiano e até mesmo de Cecília Meireles(Cataguases! Cataguases!/ Um barco no Rio Pomba/ e uma menina que pesca/nas águas a própria sombra.), mas naquele momento nos confrangia e sufocava: “Hoje não tem piracema/praquelas bandas do rio/e o pomba que foi poema/hoje me causa arrepios de medo.”



Alto lá, não só de desalentos vive a obra do Aero. Agenor Ladeira compôs e canta a doce Reggae brega de Amor (nem tanto reggae assim) e a poética Estrela Guia, esta em parceria com Cláudio Abritta; o nosso terno Chico Monteiro, junto com o compositor carioca, Sérgio Sá, emprestam à voz de Rafael a existencial e filosófica “Cuidado”; Chico Franco cede o samba Tempo de Infância, imprimindo no disco um misto de alegria e apelo de saudade. De sua lavra, também o dolente samba Tributo a um Sambista.



Outras canções enriquecem o trabalho, inclusive a Aerowillys 2, que não é melhor que a primeira, mas pereniza em nós a imagem de um carro velho e problemático (sucata ambulante) produzindo significados de canções, momentos e cultura popular. No ano do centenário do Poeta da Vila, nossos rapazes do Aero vem “tangendo um samba”, numa Apologia a Noel; fiel ao estilo nordestino, o grupo gravou o xote José Joana, de Emanuel Messias e Cristóvão; Chico Lins e o professor Nízio Major entram no trabalho com Trilhas de Minas (Tambores um dia irão festejar a água/ que nasce na fonte dos olhos/ que trilha entre pedras e vai sempre em frente/ querendo chegar algum dia ao mar.) e a Esse é o meu Lugar com delicioso refrão, regado a broa de milho e café com leite. Na faixa 12, Agenor Andrade destila humor e desopila o fígado, no Choro do Empréstimo (Troco ao sogro),um contundente acerto de contas com o passado... “com certeza”.



Abro o parágrafo para confessar a satisfação de ver, fechando o trabalho, uma canção de minha autoria. Trata-se de uma simples marcha, homenagem a um tempo em que “sambulávamos” e vibrávamos com Marcha do Urubu (Doutor Malvado) pelas ruas de Cataguases. O Sambulante, o nosso Trio elétrico, equipado com várias cornetas, alimentadas por um cavaquinho, um contrabaixo e pela consagrada e calorosa voz de Elisa Nunes, fazia a felicidade geral de nossa gente. Na parte de baixo do “caminhão”, esquentava o couro a excelente cozinha, comandada por Roosevelt Pires e “infernizada” por Floriano, Zé Luiz Portela e tantos outros bambas do ritmo. Sambulando é o nome da canção e busca reconstituir aquele ambiente de nosso carnaval - uma festa modesta, mas que permitia a pobres, ricos, pretos e brancos, o acesso ao cordão popular. (Fazer o seu carnaval/ acho é natural e nada contraria/ Meu sonho fenomenal/ Você é minha fantasia).


Obrigado pela contribuição, Grupo Aero, e até amanhã ...e com a Casa cheia!

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